BLOG DO LOUCO

terça-feira, 31 de julho de 2012

CURIOSIDADES SOBRE A POSSIBILIDADE DE SE REDUZIR A MAIORIDADE PENAL




Proteção às cláusulas pétreas e a questão da redução da maioridade penal

INTRODUÇÃO
Diante dos inúmeros crimes tendo a participação de menores de 18 anos, sob a égide da inimputabilidade; a questão da redução da maioridade penal se inflama e ganha espaço nos debates acadêmico e técnico. Não é raro a figura do menor infrator, cônscio de seus atos, que volta a delinqüir pela ineficiência das medidas sócio-educativas aplicadas a ele.
Nesse contexto, ora pressionada pela mídia, ora pela própria comoção social deflagrada pela barbárie e truculência dos crimes, ganhou-se destaque o projeto de Emenda Constitucional que pugna pela redução da maioridade penal para os 16 anos. No entanto, retiradas as emoções e paixões, a proposta do presente ensaio é o de analisar a constitucionalidade da PEC 20/99 (proposta de emenda constitucional que trata da redução da maioridade penal), frente às cláusulas pétreas: Seria o artigo 228, da Constituição Federal, inserindo expressamente como inimputáveis os menores de 18 anos um direito, uma garantia individual ou não?
Para melhor análise, dividir-se-á o presente ensaio em três partes: a primeira traça algumas linhas acerca das cláusulas pétreas; a segunda, responsável por fazer uma breve análise dos direitos fundamentais; a terceira, faz delineia sobre a redução da maioridade penal confrontando-a com as idéias de direitos individuais e cláusula pétrea.
CLÁUSULA PÉTREA.
Ao ser promulgada, a Constituição de 1988 se enquadrou no rol das Constituições rígidas, ou seja, o processo de modificação de suas normas é mais rígido do que das leis ordinárias. Enquanto para se proceder à alteração de uma lei ordinária, não há tantas exigências legais; para se emendar as normas constitucionais, o próprio constituinte tratou de estabelecer um processo legislativo bem mais rígido, conforme se vê em todo o artigo 60 da Constituição Federal.
De toda essa rigidez constitucional, a Constituição chancelou um Poder Constituinte derivado, sendo este limitado, cuja validade de suas deliberações encontra-se condicionada à obediência das disposições estabelecidas pelo próprio Constituinte originário. No entanto, apesar da existência de tais limites e exigências impostos à atividade legiferante, a Constituição Federal ainda tratou de consagrar um núcleo; ou melhor, seus pilares tal como um Estado Democrático de Direito ( proteção constitucional à forma federativa de governo, ao voto direto, universal e periódico, à separação de poderes e aos direitos e garantias individuais), caracterizando-os como intocáveis e intangíveis, a serem observados pelo legislador no desempenho de sua função. À esses limites legiferantes e intangíveis, impostos pelo art. 60, § 4º, incisos, da CF, denominam-se cláusulas pétreas.
Considere-se, outrossim, que a doutrina desenvolveu a idéia das cláusulas pétreas implícitas, isto é, aquelas que não se encontram nos incisos no art. 60, § 4º, da CF, mas, cuja existência decorre da própria lógica do sistema constitucional brasileiro. Como exemplo, pode-se citar a cláusula pétrea implícita da proibição de o legislador elaborar um projeto de emenda constitucional, garantido poder legiferante pleno e ilimitado ao Legislativo, de forma a permitir a abolição das cláusulas pétreas explícitas.
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Segundo Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior¹, direitos fundamentais seriam os direitos imprescindíveis à condição humana. Assim considerados, seriam os direitos inerentes ao homem, respeitados e merecedores de proteção constitucional tendo em vista a consagração do princípio da dignidade humana como alicerce da República brasileira, art. 1º, III, da CF.
Ao se defrontar a questão dos direitos fundamentais com as cláusulas pétreas explícitas, observa-se algo, no mínimo, curioso, visto que o que, pela letra fria da lei, é considerada como cláusula pétrea são os direitos e garantias individuais. Estes, na visão topológico-constitucional são apenas espécies do gênero direitos fundamentais. No entanto, insta relevar que, por uma questão teleológica, a proteção como cláusula pétrea merece também ser estendida também a todos os direitos fundamentais. A interpretação tão-somente gramatical em tal caso poderia levar o intérprete a ilações grosseiras, como, por exemplo, a possibilidade de se hierarquizar em patamares as espécies topológicas dos direitos fundamentais, colocando os direitos individuais acima dos sociais, políticos e de nacionalidade. Destarte, parece mais sensato considerar no art. 60, § 4º, IV, da CF, como cláusula pétrea todos os direitos e garantias fundamentais e não tão-só os direitos e garantias individuais.
MAIORIDADE PENAL
A maioridade penal tem seu supedâneo constitucional no artigo 228, da CF: “ São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas de legislação especial”. O busílis seria se nessa norma estaria ou não consubstanciado um direito fundamental, sendo, portanto, considerado uma cláusula pétrea.
Insta relevar, a princípio, o fato de que nem todos os direitos e garantias fundamentais estão sob a rubrica do Título II, da CF; aliás, leia-se que a própria Carta Magna brasileira admite outra fonte de leis; por exemplo, a possibilidade de incorporação de outros direitos humanos como emendas constitucionais, art. 5º, § 3º, da CF. Vê-se, portanto, que o rol dos artigo situados sob a rubrica Direitos e Garantias Fundamentais é meramente exemplificativo, sendo possível a existência de outros direitos e garantias fundamentais espalhados por qualquer lugar na Constituição cidadã. Um bom exemplo, reconhecido inclusive pelo STF, é o princípio da anterioridade tributária, encontrado no art. 150, III, b e c, da CF, como garantia individual, conforme se extrai do seguinte julgado:
    “Artigos 5º, § 2º, 60, § 4º, incisos I e IV, 150, incisos III, b, e VI, a, b, c, d, da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é a guarda da Constituição (art. 102, I, a, da CF). 2. A Emenda Constitucional n.3, de 17.3.1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor que, quanto a tal tributo, não se aplica o art. 150, III, b e VI, da Constituição Federal, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1º o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte ( art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV, e art. 150 III, b, da Constituição)” (STF, Adi 939, Rel. Min. Sydney Sanches, j. Em 15-12-93, DJ, 18-03-94, p. 5165, Ementário do STF, v. 1737-02, p. 160; JUIS, n. 7) ².
Diante disso, tendo-se em vista que o art. 228, da CF, dispõe um limite ao jus puniendi do Estado, evidencia-se sua característica de direito fundamental. Fundamental e individual, por chancelar a inimputabilidade dos menores de 18 anos, assegurado ao infrator menor a proteção constitucional de não ter deflagrado contra si a persecução penal por parte do Estado. Nesse diapasão, mister mencionar que a norma constitucional originária do art.228, da CF, seja ela idônea ou não comparada à realidade sócio-cultural brasileira, é essencialmente um direito fundamental, eis que depura as dimensões e as fronteiras jurídicas, com esteio no princípio da legalidade e do devido processo penal, a fim de que assim se legitime a persecução penal a ser deflagrada pelo Estado e se coibam os casos de abuso de poder.
Outrossim, à luz da história verifica-se no período do Absolutismo o grande perigo da ausência dos limites do poder punitivo estatal. Naquela época de incertezas, a frase de Luís XIV ecoou no mundo a parcialidade das instituições e dos poderes servos do absolutismo: “ L' état c'est moi”³. O soberano, representante da lei e da justiça de seu Estado, estava munido de poderes suficientes para iniciar a persecução penal de seus desafetos, paralisá-la, impor penas desarazoáveis ou desproporcionais, segundo seu bel-prazer. Nessa esteira, importante a lição de Montesquieu consubstanciada no fato de quem detém o poder tende a abusá-lo; por isso, a necessidade do sistema de pesos e contrapesos; um poder complementa e fiscaliza o outro, cada qual dentro de suas funções. Ademais, a própria história da humanidade já mostrou suficientemente que a falta de normas concretas impondo limites ao jus puniendi infringe, por si só, os direitos fundamentais, eis que, em tal caso, o suposto infrator não terá bases concretas para a realização de sua defesa e não disporá de prévia cognição da conseqüência que seus supostos crimes causariam.
Sobreleva notar, finalmente, que, caso os constituintes ao elaborarem a Constituição cidadã não quisessem que o art. 228, da CF fosse um direito fundamental e, portanto, merecedor de proteção constitucional tal como cláusula pétrea, não o teriam inserido, de forma a se deixar expressa a inimputabilidade aos menores de 18 anos, na Constituição; bastaria apenas o constituinte ter disposto que são penalmente inimputáveis os menores assim definidos em lei, sujeitos a penalidades desta.
CONCLUSÃO
Por todo exposto, conclui-se que o projeto de emenda constitucional ou projeto em tramitação de leis que objetivem diminuir a maioridade penal, apesar de irem ao encontro dos anseios da maior parte da população, chocam-se inevitavelmente com as cláusulas pétreas; acarretando, por conseguinte, a sua inconstitucionalidade. Destarte, para a redução da maioridade penal, faz-se mister a realização de uma nova assembléia constituinte, eis que somente o Poder Constituinte Originário, por ser ilimitado e incondicionado ao arcabouço jurídico antecessor, dispõe de poderes suficientes para fazê-lo legitimamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- ARAÚJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, 9º edição.
2- STF, Adi 939, Rel. Min. Sydney Sanches, j. Em 15-12-93, DJ, 18-03-94, p. 5165, Ementário do STF, v. 1737-02, p. 160; JUIS, n. 7;
3- Frase atribuída a Luís XIV, representante do apogeu do Absolutismo francês, que, traduzida para o português, significa: “ O Estado sou eu”;
4- MONTESQUIEU, Charles de S. B. L'Esprit des lois. 2 vol. Éditions Garnier Frères, Paris.
Revista Jus Vigilantibus, Sabado, 5 de janeiro de 2008

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